quarta-feira, 12 de junho de 2013

A Jangada de Pedra – José Saramago

A Jangada de Pedra – José Saramago
Por Felipe Soares
(PET-Letras/UNICENTRO)
Biografia do autor
       José de Sousa Saramago (16/11/1922 – 18/06/2012) nasceu numa família de camponeses em Azinhaga, uma aldeia ao sul de Portugal. Autodidata, antes dedicar-se unicamente à literatura foi mecânico, serralheiro, desenhista industrial e também trabalhou como gerente de produção numa editora, e em 1947 iniciou sua atividade literária com o romance Terra do Pecado, entretanto, só voltou a publicar novamente em 1966 com um livro de poemas.

        Em 1975, Saramago atuou como crítico literário em revistas trabalhando no Diário de Lisboa, onde se tornou diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. Perseguido pela Ditadura Salazar em 1976, passou a viver apenas de seus escritos atuando também como tradutor e conseguintemente como autor.

       Atinge a notoriedade em 1980 com a obra Levantado do Chão, tida hoje como seu grande primeiro romance. Entre outras obras escreveu também os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), Ensaio sobre a Cegueira (1997), Todos os Nomes (1997), e o Homem Duplicado (2002). Também escreve a peça teatral In Nomine Dei em 1993 e os dois volumes recolhidos de diários nos Cadernos de Lanzarote, entre 1994 e 1997.

    Apreendeu novamente o sucesso em 1982 com Memorial do Convento. Publicou em 1991 O Evangelho segundo Jesus Cristo, obra censurada pelo governo português, razão que levou Saramago a expatriar-se na Espanha, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde o escritor viveu até sua morte. Em 1998 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura com A Jangada de Pedra, sendo o primeiro autor de língua portuguesa a fazê-lo. Morre em 18 de junho, em Lanzarote na Espanha aos noventa anos.

Contexto Histórico
A Jangada de Pedra foi publicada quando Espanha e Portugal passaram a integrar o MCE – o Mercado Comum Europeu, hoje União Europeia. Tomando como ponto de partida uma série de casos insólitos, Saramago expressa claramente o descaso europeu ante as nações ibéricas. Neste contexto se instaura o realismo mágico na narrativa como meio de transgressão. Ao servir de instrumento à navegação exposta em texto, Saramago expressa assim a sua insatisfação em relação à Europa. É uma de suas obras marcadas com os traços modernistas mais aflorados. Nela, o problema do posicionamento de Portugal no contexto mundial é exposto claramente, beirando até certa agressividade nas ideias. Embora o texto do autor seja classificado pós-moderno e contemporâneo, ele aborda os questionamentos quanto Portugal neste contexto europeu enquanto este não aceita tal condição subordinada, o que conseguintemente faz aflorar um nacionalismo em parte idealizador numa narrativa de traços psicodélicos das vanguardas europeias, especialmente o Simbolismo, contudo, sem torná-la imatura ou inacabada, enquanto uma idealização romântica de sociedade e de nação.

Resumo e Análise da Obra                                                                     

     Publicada em 1986, a obra de Saramago elenca uma série de ocorrências sobrenaturais que culminam no apartamento da Península Ibérica, que abandona a Europa ao tornar-se uma ilha enquanto se desloca à deriva através do Oceano Atlântico. A trama criada pelo autor possibilita por meio de seu estilo desenvolver inúmeros comentários que discorrem desde o simples cotidiano da vida, bem como atingem também, em teor irônico, as grandes autoridades de papel público na política ante a sociedade.
       Composto por 23 capítulos, o romance é escrito em português lusitano e faz-se valer de coloquialismos típicos. Quanto a sua estrutura, a obra expõe parágrafos e períodos extensos, e ainda, a exceção do ponto e da vírgula, o texto apresenta uma completa erradicação dos sinais de pontuação. A narrativa, tomada num tom de pressentimentos incertos e apocalípticos tem como ponto de partida a exposição de casos insólitos que permeiam as suas personagens principais, casos os quais se interligam no decorrer da narrativa que corre sobre o tempo psicológico.

       Há também referências cronológicas no romance, entretanto, elas não predominam na obra e têm caráter impreciso. No romance os narradores se alternam e são também múltiplos, oscilando entre a primeira pessoa do singular e a terceira do plural, frequentemente revogando a presença do narrador tradicional. As personagens esféricas e os narradores têm suas falas comumente confundidas perante o discurso indireto livre da obra.

      O Oceano Atlântico é o espaço onde a Península Ibérica perambula aos olhos de suas personagens principais: José Anaiço, professor português sempre acompanhado de uma nuvem de estorninhos, Maria Guavaira, moradora da Galiza que tem nas mãos um interminável fio de lã azul puxado de uma meia, Joaquim Sassa, português do Porto, turista numa praia ao norte de Portugal, o farmacêutico idoso Pedro Orce, espanhol da região de Orce, e a divorciada da região de Ereira Joana Carda, protagonista que ao riscar com uma vara o chão, dá início a série de acontecimentos que compõem a trama da obra.
      
          Usando uma crítica afiada e agressiva, Saramago, ao excluir literalmente a Península Ibérica da Europa fazendo-a navegar pelos oceanos de forma errante, faz-se valer do discurso irônico e do realista mágico, quase partindo para o lado surreal da literatura, não objetivando a dessacralização da história como já fez anteriormente em outras obras, mas sim para questionar o porvir, através de diálogos com antecedentes históricos expressos na intertextualidade, sugerindo uma solução para o futuro configurado pela mítica de um novo mundo.
           Contudo, não é apenas Portugal que assume tal posição separatista. A Espanha, que também passa por uma situação semelhante à de Portugal perante a União Europeia, igualmente compartilha os dramas dos portugueses, assim, portugueses e espanhóis tornam-se verdadeiros conterrâneos passando pelas mesmas dificuldades e conflitos na ideia de país em que se transforma a península.
       
         Assim portugueses e espanhóis são testemunhas de um novo recomeço para suas nações, como outrora no passado quando se lançaram ao mar nos tempos de esplendor dos impérios desses dois países, como um retorno dos tempos de glória na idade moderna. Toda a obra é remetida às diversas fases da literatura portuguesa, percebidas no heroísmo e estoicismo do homem português deslumbrado. A tradição camoniana tem forte presença inspiradora no texto, dando-lhe apelo dramático e épico, provido de teor epopeico escrito em prosa onde as personagens assumem nesta esteira um papel secundário do texto, quando assim a Península se apresenta como verdadeira personagem principal.

       Logo, a Península ostenta o papel de um novo país, ou império, em busca de seu lugar no mundo. Enquanto vaga através do oceano traz dentro de si uma analogia secundaria com o expansionismo do latim, e em primeiro plano aponta o retorno de Portugal à navegação num sentido de descoberta de novo mundo. E, a longa viagem da Península tem seu fim após descer em direção das Américas, quando ancora na costa do Novo Mundo, chegando a uma nova terra em desenvolvimento, de cultura mais aberta em relação ao purismo europeu, de povos nascidos da miscigenação da colonização, espanhola e portuguesa, assim sendo, a Península e seu povo não podem ser atados pelas regras e pelo dogma causadores de conflitos às mentes ainda encarceradas ao imperialismo medieval.

         Por fim, a narrativa da obra descreve todo o caos instituído na Península a partir de sua separação da Europa, elencando seus problemas políticos, a falta de alimentos, apagões e mesmo alterações ecológicas, suscitando o prelúdio de um apocalipse dado em razão do descaso dos países europeus e pelos movimentos marítimos da “jangada”. Assim, o realismo mágico na obra é instaurado desde o seu primeiro capítulo logo que o narrador antecipa brilhantemente os acontecimentos mágicos, sobrenaturais, que se intensificarão no decorrer de um enredo pouco linear.

REFERÊNCIAS:

SARAMAGO, JOSÉ. A jangada de Pedra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
José Saramago – Biografia – Uol Educação. Disponível em: <http://educacao.uol.com.br/biografias/oswald-de-andrade.jhtm> Acesso em: 01 de maio de 2013.

Créditos de pesquisa: Tania Mara Antonietti Lopes, Doutoranda, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras - campus de Araraquara | Prof. Rodrigo Freire, graduado em Letras, pós-graduado em Linguística Aplicada, professor de idiomas no Centro Cultural de Idiomas (Niterói) e tradutor (CNPQ) na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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