quarta-feira, 18 de maio de 2011

A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

(Por Aline Dalmutt)

Carlos Drummond de Andrade, mineiro de Itabira do Mato Dentro, filho Carlos de Paula Andrade e Julieta Augusta Drummond de Andrade, nasceu em 31 de outubro de 1902. Filho de fazendeiros, decidiu percorrer outros caminhos: cursou Farmacologia, tornou-se professor de Português e Geografia, jornalista, tradutor, além de brilhante poeta e prosador.

Em razão de o autor escrever a obra “A Rosa do Povo” entre 1943-1945, época que o mundo passava por grandes horrores, é possível sentir a tensão que obrigava o Carlos Drummond de Andrade a transformar sua poesia em um instrumento de combate aos horrores da II Guerra Mundial (1939-1945) e ao autoritarismo do Estado Novo (1937-1945), a ditadura de Getúlio Vargas. Obra-chave dentro da produção de Drummond, A rosa do povo, reflete a maturidade que o poeta alcançou desde sua estréia. Nela, conforme já se afirmou ,além de acentuado progresso técnico-formal, estão presentes duas conquistas decisivas para a evolução de nossa literatura: o realismo social, particularmente penetrante e que não se restringe, apenas ao lirismo da poesia engajada, mas também pela reflexão introspectiva sobre o sentido da escrita como obra de arte.

A Rosa do povo é o mais extenso e o mais variado dos livros de Drummond [5 poemas, alguns longos). Nele desfilam os principais temas de sua obra; o verso livre e a estrofação irregular alternam com versos de métrica tradicional dispostos em estrofes regulares; o estilo ora é 'puro' (elevado, 'poético'), ora é 'mesclado' (mistura de elevado e vulgar, sério e grotesco, em outras palavras, com humor e ironia). Livro difícil, porém é um dos mais discutidos e apreciados da poesia moderna brasileira.

O livro “A Rosa do povo” tematiza a morte, a fragmentação, a busca de liberdade num mundo opressivo. Conforme o próprio poeta nos diz, a sua poesia é feia. Mas é uma flor. Esta obra pode ser dividida em sete áreas temáticas. É claro que, dada à complexidade dos versos drummondianos, muitos desses poemas podem ser enquadrados em mais de um núcleo de assunto. No entanto, a divisão abaixo corresponde a um esquema estabelecido pelo próprio escritor em sua Antologia poética: a poesia social; a reflexão existencial (o eu e o mundo); a poesia sobre a própria poesia; o passado; o amor; o cotidiano; a celebração dos amigos.

Poesia social

Pelo menos duas dezenas dos cinqüenta e cinco poemas de A rosa do povo podem ser enquadradas na temática “a poesia social” na qual a angústia subjetiva do poeta transforma-se em engajamento e compromisso com a humanidade. De certa forma, é possível distinguir neles uma espécie de seqüência lógica que revela as mudanças de percepção do poeta face ao fenômeno social. Este processo temático não é unívoco, sendo composto por mais ou menos quatro movimentos muito próximos e que, na sua totalidade, formam a mais elevada manifestação de poesia comprometida na história da literatura brasileira. Vamos encontrar então: a culpa e a responsabilidade moral; o registro puro e simples de uma ordem política injusta; a passagem da náusea à perspectiva de uma nova sociedade (em termos concretos e em termos abstratos); a celebração da nova ordem.

Na verdade, o próprio título da obra já traz uma simbologia das ideias sociais: uma rosa nasce para o povo, será a poesia para o coletivo? E Drummond acrescenta ao tema social seu desencanto, seu pessimismo. Sabia da Guerra; morava no Rio e via como o Brasil ansiava por sair do Estado Novo e queria um regime democrático.

No poema "A flor e a náusea" Drummond faz um brado por ação. Os versos expressam a indignação do poeta diante da situação sócio-econômica e política do país e do mundo. Falam da imprensa, dos crimes não publicados, dos jornais que não lêem a vida cotidiana, tornam-na enganosa. "Ração diária de erro, distribuída em casa". A flor simboliza a luta, o não-conformismo, assim por diversas vezes flores são símbolos de solução nos poemas deste livro. A náusea vem do o mal-estar diante das "fezes, maus poemas, alucinações e espera": diante do caos social. O que faz o jornal, do governo ou da esquina, frente às injustiças? Mais do que espelho da própria instituição, a comunicação tem o dever de quebrar mitos, de propor desafios. De fazer nascer a flor – na rua, no debate público, "rompendo o asfalto" –, sem fingir a sua existência. Para tanto, precisa firmar seu pacto com a esfera pública. 

Para este inconformismo dos artistas com a crueldade que se via no mundo em geral (a impotência da poesia só para criar beleza), o mineiro Drummond tem uma pergunta que nunca deixou de se fazer: para que serve a poesia? E demonstra sua importância no poema "Carta a Stalingrado", (cidade em que os soviéticos vencem os alemães) onde o autor diz que a poesia foi parar nos jornais. 

Igualmente, esta crítica à situação política do Brasil na época é bastante visível no poema “Áporo”, sendo muito analisado como um exemplo de discussão, o qual se inicia com uma tese (ou fato) seguida por uma antítese (ou negação dessa tese) e por fim apresenta uma síntese, que é a convivência paradoxal dessas duas idéias. Assim, cada estrofe representa também um dos passos descritos. O inseto que cava insistente, porém pacíficamente, sem achar saída da terra é a tese. É seguida por uma antítese, que nega a pacificidade do bichinho, tornando sombrio e sem saída seu ambiente e futuro. Por fim, nasce uma orquídea antieuclideana (contra o criador da geometria, Euclides de Alexandria, o que indica que nasce contra todas as leis da geometria, ou do que se esperava), que é apresentada como a salvação, a solução, em meio ao escuro, à noite. Neste poema em específico a referência ao contexto histórico está no trecho em país bloqueado, no qual a terra que o inseto cava se confunde com o próprio Brasil. 

Poesia Metalinguística 

A força da "palavra poética" (apesar da dúvida sobre sua utilidade) é um dos temas mais caros ao poeta. A metapoesia, também conhecida como poesia metalingüística é bastante empregada, onde o escritor aborda o próprio fazer poético como tema de seus poemas. No primeiro (e mais famoso) poema do livro, "Consideração do poema", Drummond assegura que apesar de tudo, devemos fazer poesia, mas uma poesia urbana, de um poeta "antenado" deve sair modernista, ou seja, sem que nenhuma tradição a atrapalhe, sem rimas, sem estrofes, sem o cheiro do que é antigo. 

Poesia Do Passado

Nesta obra Drummond também declara a virtude de se refletir sobre um passado (romântico), quando o mundo era mais organizado e talvez mais feliz. É o que diz o poeta, quando cria a "Nova canção do exílio", paródia e homenagem a Gonçalves Dias. Acentuando assim a idéia de solidão e desencanto presentes, também ao longo de todo o livro. 

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