TEMPO DE MENINO – Domingos Pellegrini
Por Tânia Terezinha Marcondes
(PET-Letras/UNICENTRO)
Domingos
Pellegrini Júnior
Nasceu em Londrina – PR
em 1949. Morou em Londrina (onde passa a maior parte de sua vida), São Paulo e
atualmente, novamente mora em Londrina.
O escritor é romancista, contista, poeta, jornalista e publicitário. Os
gêneros literários que praticou foi conto, novela, poesia, romance e crônica.
Suas principais obras são “O homem
vermelho” (1977), “A árvore que deva
dinheiro” (1981), “O caso da Chácara
Chão” (2000). Domingos Pellegrini é, sem dúvida, um dos nomes mais
significativos da prosa brasileira contemporânea. Um escritor de talento, que
prefere, contudo, auto-intitular-se “um contador de histórias”. Domingos
dedicou-se progressivamente a produção de textos destinados ao público
infanto-juvenil, principal interlocutor de sua obra, buscando sempre,
desenvolver uma linguagem na escrita, sendo esta simples e objetiva.
Nas
cinco histórias reunidas em TEMPO DE MENINO há um claro tom de nostalgia e o delicioso
sabor de descoberta do mundo. São importantes episódios cruciais na vida de
seus personagens, que, mesclando graça, ternura, ingenuidade e amargura, falam
daquele tempo fascinante em que a criança começa a perceber um mundo novo: o
mundo dos adultos. Tempo de Menino traz a marca de um autor que sabe contar histórias de modo fácil e envolvente. Ao relatar
experiências importantes na vida de qualquer garoto, Domingos Pellegrini vai
revelando a complexidade das relações humanas envolvidas em situações
aparentemente banais. Um livro que, por certo, vai permitir ao leitor
viver e reviver todo o encantamento do seu tempo de menino. Em
cinco contos, o autor reconstitui emoções vividas por alguém que - na infância
ou juventude - descobre o mundo. Na leitura desta obra, há algo que se extrai
em termos de amadurecimento, de conhecimento do mundo e das pessoas. Ler Tempo de Menino pode-se tornar uma
experiência de vida.
Algumas crianças têm a sorte de amadurecer aos
poucos, sem traumas. Para outras, esse processo se dá através de uma
experiência dolorosa – às vezes até mesmo uma perda que fere no íntimo e abala
tudo ao redor. Assim são as histórias de Tempo
de Menino.
Entre os cinco contos da obra,
Tempo de Menino, dois deles estão
escritos em primeira pessoa, nos quais os narradores são os próprios
meninos-protagonistas: “Visita ao
zoológico” e “Minha estação de mar”. O
autor conta as histórias das histórias.
Em Tempo de Menino, Pellegrini afirma em entrevista à
editora que publicou a obra, como as lembranças da infância, dos
desentendimentos dos pais, do lado pessoal de uma forma geral, tiveram forte
influência na sua literatura (1997). Em Meninos e meninas o autor confessa, em
outra entrevista, como os contos, de uma forma geral, são recriações literárias
de passagens da vida dele.
Todas [as obras] têm um pouco
de mim aqui ou ali, de um jeito ou de outro. Às vezes, sou o
menino, às vezes, o pai. Glória é uma menina bem parecida com
o menino que eu fui. A menina de “Quadrondo” sofre com a separação
dos pais como sofri a
dos meus. Já o conto “Volta ao mar” é uma espécie de continuação poética de “Estação de mar”, conto
que está no livro Tempo de menino. (...) Este livro é como um casarão, só que reúne “contos
parentes”. (1998, p.101)
“Visita ao Zoológico”: O pai
prometera levar o filho ao zoológico, mas adiava sempre, pois era preciso que
ele merecesse. Estava aprontando constantemente. Era muito travesso.
Certo dia, tirara as agulhas de crochê da Vó para fazer ponta de flecha. Diante de suas reclamações, ainda respondera:
“ – Que que a senhora faz com a aposentadoria do Vô? A senhora nunca põe um tostão em casa!” Pobre Vó. Chateada, ficou três dias trancada em seu quarto. Com certeza, ele ainda teria que continuar esperando a oportunidade para ir visitar o zoológico.
Certo dia, tirara as agulhas de crochê da Vó para fazer ponta de flecha. Diante de suas reclamações, ainda respondera:
“ – Que que a senhora faz com a aposentadoria do Vô? A senhora nunca põe um tostão em casa!” Pobre Vó. Chateada, ficou três dias trancada em seu quarto. Com certeza, ele ainda teria que continuar esperando a oportunidade para ir visitar o zoológico.
Passaram-se vários domingos e nada! Até que num dia qualquer o seu sonho se realizou. Seu pai havia sido despedido do emprego e mesmo assim resolveu cumprir com a promessa: levá-lo ao zoológico. Falou que tinha aprendido com seu Vô que quando as coisas não vão bem, é hora de fazer uma festa. E assim, o garoto pediu pipoca, sorvete, chiclete...
Seu pai não gostava de zoológico, porque os bichos ficam enjaulados e isto para ele, não tinha graça, despertava tristeza.
Correu, brincou, observou atenciosamente os animais: tigre, gorila, girafa, zebra, cobra, jacaré... Estava na hora de voltar. Viu a onça e lembrou da mãe, porque estava sempre a ralhar por qualquer motivo. E o seu pai lhe disse que ela era uma mistura de galinha choca com loba braba. E a Vó, uma mistura de raposa com cobra; porém, na verdade, ela era apenas uma gatona velha.
No conto “Homem ao mar” em Tempo de menino (1997),
Pellegrini conta a estória de pai e filho que passaram por apuros
depois que o filho caiu no mar revolto durante uma pescaria. O autor narra
da seguinte forma a preocupação do pai diante do perigo iminente:
Agora, o pai sabe que não tem tempo de explicar nada, sabe o que
deve fazer e faz. (...) pulou de ponta, sai de perto filho, vê que
outra onda já vem vindo lá atrás. Nada para frente! – grita
aprontando – Vamos furar a onda! Lê o pensamento no olhar do filho:
será que ele ficou louco! (PELLEGRINI ,1997: 67).
O conto “A última janta” faz uma metáfora
interessante mesclando elementos de índices e informantes. Para isso o texto
narra a estória de um menino que morava com a mãe em uma pensão onde
peões vinham jantar. A descoberta do mundo e das coisas se dá por meio da
mistura da comida e do processo de transformação que esta faz no corpo
humano. Em um dado momento um agenciador de nome Zé come diante do
menino que, como qualquer outro da sua idade, faz muitas perguntas. Na
medida que o agenciador come e mistura o arroz, o feijão, a carne, o
menino pergunta e descobre novos mundos:
– Por que a gente come, Zé?
O agenciador riu; os peões da mesa riram.
– Bom – começou – tudo o que a gente come vira
alguma coisa dentro da gente.
O menino ia abrindo a boca devagar, o queixo
pendendo.
– O bife vira músculo. Deixa eu ver.
Apalpou o braço de menino.
(...) – E o arroz vira o quê?
– Arroz não é branco? Vira osso, vira dente.
(...) – E o feijão?
O feijão banhava o fundo
do prato, lambuzava os pedaços de bife; num canto ia
aparecendo abobrinha picada. (PELLEGRINI, 1997:
21).
Uma
das características mais marcantes do trabalho literário de Pellegrini, são as
muitas histórias que envolvem
crianças, na verdade, meninos, adolescentes homens ou jovens no início da idade
adulta. Um viés que começou logo no início da carreira do escritor com a obra
Meninos, de 1977. É importante fazer um breve parêntese para salientar a
onipresença do nome “menino” em grande parte dos livros e/ou dos contos que o
autor escreveu desde a década de 70. Logo após Meninos (1977), temos Os meninos
crescem (1988).
REFERÊNCIAS:
PELLEGRINI, Domingos.
Tempo de menino: Contos. São Paulo: Ática 12ª ed. 2007.
ARAÚJO,
Lucas Vieira de. “A construção dos personagens nos contos (1977-1998) de Domingos
Pellegrini”. Disponível: http://www.uel.br/pos/letras/EL/vagao/EL1Art9.pdf. Acesso
em: 30 de abril de 2013.
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