A Rosa do Povo –
Carlos Drummond de Andrade
Por Dayse Pedroso Moura
(PET-Letras/UNICENTRO)
Carlos Drummond de Andrade nasceu em
Itabira do Mato Dentro - MG, em 31 de outubro de 1902. De uma família de
fazendeiros em decadência, estudou na cidade de Belo Horizonte e com os
jesuítas no Colégio Anchieta de Nova Friburgo RJ, de onde foi expulso por
"insubordinação mental". De novo em Belo Horizonte, começou a
carreira de escritor como colaborador do Diário de Minas, que aglutinava
os adeptos locais do incipiente movimento modernista mineiro.
Alvo de
admiração irrestrita, tanto pela obra quanto pelo seu comportamento como escritor,
Carlos Drummond de Andrade
morreu no Rio de Janeiro RJ, no dia 17 de agosto de 1987, poucos dias após a
morte de sua filha única, a cronista Maria Julieta Drummond de Andrade.
Em razão de o autor
escrever a obra “A Rosa do Povo” entre 1943-1945, época que o mundo passava por
grandes horrores, é possível sentir a tensão que obrigava Carlos Drummond de
Andrade a transformar sua poesia em um instrumento de combate aos horrores da II
Guerra Mundial (1939-1945) e ao autoritarismo do Estado Novo (1937-1945), a
ditadura de Getúlio Vargas. Obra-chave dentro da produção de Drummond, A
rosa do povo, reflete a maturidade que o poeta alcançou desde sua estreia.
Nela, conforme já se afirmou,além de acentuado progresso técnico-formal, estão
presentes duas conquistas decisivas para a evolução de nossa literatura: o
realismo social, particularmente penetrante e que não se restringe, apenas ao
lirismo da poesia engajada, mas também pela reflexão introspectiva sobre o
sentido da escrita como obra de arte.
A “Rosa do povo” é o
mais extenso e o mais variado dos livros de Drummond (55 poemas, alguns
longos). Essa obra pode ser dividida em sete áreas temáticas. É claro que, dada
à complexidade dos versos drummondianos, muitos desses poemas podem ser
enquadrados em mais de um núcleo de assunto. No entanto, a divisão abaixo
corresponde a um esquema estabelecido pelo próprio escritor em sua Antologia
poética: a poesia social; a reflexão existencial (o eu e o mundo); a poesia
sobre a própria poesia; o passado; o amor; o cotidiano; a celebração dos
amigos.
Poesia social
Pelo menos duas dezenas dos cinquenta e cinco poemas de “A rosa do povo”
podem ser enquadradas na temática “a poesia social” na qual a angústia
subjetiva do poeta transforma-se em engajamento e compromisso com a humanidade.
De certa forma, é possível distinguir neles uma espécie de sequência lógica que
revela as mudanças de percepção do poeta face ao fenômeno social. Este processo
temático não é unívoco, sendo composto por mais ou menos quatro movimentos
muito próximos e que, na sua totalidade, formam a mais elevada manifestação de
poesia comprometida na história da literatura brasileira. Vamos encontrar
então: a culpa e a responsabilidade moral; o registro puro e simples de uma
ordem política injusta; a passagem da náusea à perspectiva de uma nova
sociedade (em termos concretos e em termos abstratos); a celebração da nova
ordem.
Na verdade, o próprio título da obra já traz uma simbologia das ideias
sociais: uma rosa nasce para o povo, será a poesia para o coletivo? E Drummond
acrescenta ao tema social seu desencanto, seu pessimismo. Sabia da Guerra;
morava no Rio e via como o Brasil ansiava por sair do Estado Novo e queria um
regime democrático.
No poema "A flor e a náusea" Drummond faz um brado por ação.
Os versos expressam a indignação do poeta diante da situação socioeconômica e
política do país e do mundo. Falam da imprensa, dos crimes não publicados, dos
jornais que não leem a vida cotidiana, tornam-na enganosa. "Ração diária
de erro, distribuída em casa". A flor simboliza a luta, o não conformismo,
assim por diversas vezes flores são símbolos de solução nos poemas desse livro.
Afinal, a Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) teve um desfecho dando mostras
do poderio bélico dos Estados Unidos: o bombardeio nuclear nas cidades
japonesas de Hiroshima e Nagasaki. No dia 6 de agosto de 1945, numa
demonstração (desnecessária) de força nuclear estadunidense, a cidade de
Hiroshima foi completamente destruída pela Little Boy, como era
denominada a bomba nuclear que após a explosão formou uma rosa.
Talvez esse fato tenha influenciado Drummond ao escrever a sua obra, já
que depois dessa tragédia inúmeras vezes as flores foram usadas para
representar a indignação. Vinicius de Moaraes chega a escrever um poema sobre
esse acontecimento e nomeia “A rosa de Hiroshima”.
A náusea vem do o mal-estar diante das "fezes, maus poemas,
alucinações e espera": diante do caos social. O que faz o jornal, do
governo ou da esquina, frente às injustiças? Mais do que espelho da própria
instituição, a comunicação tem o dever de quebrar mitos, de propor desafios. De
fazer nascer a flor – na rua, no debate público, "rompendo o asfalto"
–, sem fingir a sua existência. Para tanto, precisa firmar seu pacto com a
esfera pública.
Para esse inconformismo dos artistas com a crueldade que se via no mundo
em geral (a impotência da poesia só para criar beleza), o mineiro Drummond tem
uma pergunta que nunca deixou de se fazer: para que serve a poesia? E demonstra
sua importância no poema "Carta a Stalingrado", (cidade em que os
soviéticos vencem os alemães) onde o autor diz que a poesia foi parar nos
jornais.
Igualmente, esta crítica à situação política do Brasil na época é
bastante visível no poema “Áporo”, sendo muito analisado como um exemplo de
discussão, o qual se inicia com uma tese (ou fato) seguida por uma antítese (ou
negação dessa tese) e por fim apresenta uma síntese, que é a convivência
paradoxal dessas duas ideias. Assim, cada estrofe representa também um dos
passos descritos. O inseto que cava insistente, porém pacificamente, sem achar
saída da terra é a tese. É seguida por uma antítese, que nega a pacificidade do
bichinho, tornando sombrio e sem saída seu ambiente e futuro. Por fim, nasce
uma orquídea antieuclideana (contra o criador da geometria, Euclides de
Alexandria, o que indica que nasce contra todas as leis da geometria, ou do que
se esperava), que é apresentada como a salvação, a solução, em meio ao escuro,
à noite. Nesse poema em específico a referência ao contexto histórico está no
trecho em país bloqueado, no qual a terra que o inseto cava se confunde com o
próprio Brasil.
Poesia
Metalinguística ou Poesia sobre a própria Poesia
É escrever poesia falando sobre o próprio ato de fazer poesia e esse é
um dos temas mais caros ao poeta, ele acredita na força da "palavra
poética". A metapoesia, também conhecida como poesia metalinguística é
bastante empregada, onde o escritor aborda o próprio fazer poético como tema de
seus poemas. No primeiro (e mais famoso) poema do livro, "Consideração do
poema", Drummond assegura que apesar de tudo, devemos fazer poesia, mas
uma poesia urbana, de um poeta "antenado" deve sair modernista, ou
seja, sem que nenhuma tradição a atrapalhe, sem rimas, sem estrofes, sem o
cheiro do que é antigo.
Poesia Do Passado
A ideia do passado e de suas infinitas recordações afeta profundamente a
criação poética de Drummond, tanto que alguns de seus mais celebrados poemas
giram em torno deste baú de lembranças que, aberto, deixa entrever uma
formidável multiplicidade de experiências pessoais, familiares e históricas.Em
resumo, o passado é apresentado da seguinte maneira na poesia de
Drummond:
1- O registro realista (mais sugerido do que descrito) do quadro familiar e sociocultural do interior rural mineiro de fins do século XIX e início do século XX, (Poema “Retrato de Família”).
2- A
evocação de um mundo estritamente pessoal, formado por fatos, palavras e
sentimentos que tiveram eco ou atingiram a subjetividade do jovem poeta
(Carlos);
3- A projeção
do passado (pessoal, familiar, social) no presente, fazendo com que toda a
indagação daquilo que ficou para trás seja também uma indagação da identidade
atual do poeta e dos outros remanescentes do universo rural / provinciano,
recuperados por uma memória que os interpela incessantemente, (Poema “Nova
Canção do Exílio” - paródia e homenagem a Gonçalves Dias.)
Referências Bibliográficas
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